Documentos digitais: Posso jogar o papel fora depois de digitalizar?

26 junho, 2020 12 min de leitura Autor: Suelen Hofrimann

Documentos digitais: Posso jogar o papel fora depois de digitalizar?

 Documentos digitais têm validade jurídica? Posso jogar o papel fora após a digitalização? Assinatura digital tem validade legal? Quando o assunto é digitalização, essas são as principais dúvidas que surgem na cabeça de qualquer gestor, mas a que mais me empolga é: será que a era do papel finalmente está chegando ao fim? 

 Graças à tecnologia hoje é possível que estejamos perto deste feito, afinal nunca entendi por que o papel tinha que ser guardado se o documento estava devidamente digitalizado, mas depois de estudar a fundo como tudo aconteceu pude compreender melhor.

Depois de quase 20 anos esperando, este ano finalmente foi assinada uma lei que representa um passo histórico na transformação digital do Brasil. Podemos dizer que agora podemos avançar para uma era com menos papel e mais tecnologia na gestão de documentos.

Vou te explicar todos os detalhes dessa lei, mas vamos entender também como chegamos até ela e finalmente responder a pergunta que todos querem saber: Digitalizei, posso jogar o original de papel fora?

Neste artigo você vai encontrar:

Alguns passos na história

O que importa mesmo é saber o que está sendo válido hoje, mas como é a lei que regulamenta a validade dos documentos, acho que vale a pena conferir como tudo aconteceu. Adianto que a novela foi longa, mas calma que vou resumir para você ficar a par rapidinho.

 Existe projeto de lei para regulamentar a validade de documentos digitais desde 1995, quando a tecnologia ainda nem era tão avançada assim para suportar um processo seguro e simples . 

 Como você deve imaginar, nessa época a possibilidade de descartar o documento físico e ficar só com a versão digital gerou muita polêmica e controversa, mas era do interesse de muita gente, afinal, o papel sempre representou limitações das quais todos até hoje desejam se livrar. Então, mesmo que ainda no escuro (sem muita tecnologia para ajudar), órgãos e representantes interessados começaram a pensar em formas de tornar isso possível, para isso criou-se o Projeto de Lei do Senado nº 22/1996. 

Nessa época também se falava muito em microfilmes, tanto que já existia a  lei da microfilmagem, criada em 1968, e em 1996 foi sancionado o decreto 1799 que regulamenta tal lei para ser aplicada em documentos oficiais.

Teve mais leis?

 Eu te falei que era uma novela, não falei?  Teve muitos capítulos ainda! Pouco depois foi criado o Projeto de lei n° 3.173, de 1997. Esse já era um pouco mais evoluído que os anteriores, pois ele considerava documentos que nasciam no meio eletrônico e não apenas os digitalizados.

E houve também alguns projetos de lei que foram surgindo para resolver problemas de ramos específicos, como o PL 1589, de 1999, que dispõe sobre o comércio eletrônico, sobre a validade jurídica do documento eletrônico e sobre a assinatura digital, que posteriormente foi apensado a outra PL e resultou no Projeto de lei n.º 4.906-a, de 2001.

Criação da primeira MP

 Enfim, depois de tantos projetos saiu a Medida Provisória 2200-2, de 2001. Essa MP trouxe uma grande contribuição para a conversa sobre a validade de documentos, até então, porque através dela se instituiu a Infra estrutura de Chaves públicas brasileira, mais conhecida como padrão ICP-Brasil

Segundo o artigo 1º da MP, o intuito era:

“…garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.”

Apesar de ser um grande avanço, essa Medida Provisória se limitava aos documentos eletrônicos, que já nascem no meio digital, desde que fossem validadas com o certificado digital. Ou seja, os documentos digitais continuavam sem uma regulamentação concreta.

Resolvemos isso em 2012?

Não, não resolvemos, porém mais uma iniciativa foi tomada: a criação da lei 12.682 de 2012, cujo objetivo era dar aos documentos digitalizados a mesma validade que documentos físicos, mesmo sem a certificação.

 Isso até foi cumprido, no entanto, três artigos que possibilitariam o descarte do documento físico foram vetados, ou seja o documento eletrônico valia desde que o físico fosse armazenado. 

Finalmente, quase uma década depois, surge a Lei da Liberdade econômica.

Agora sim, chegamos ao desfecho. Como a Lei da Liberdade econômica regulamenta a validade de Documentos digitais hoje em dia?

 Em 2019 foi criada a Lei 13.874, sancionada em 20 de setembro com o objetivo de estabelecer garantias de livre mercado, revisitando e alterando algumas outras leis. 

Um dos tópicos da iniciativa fala sobre a validade de documentos digitais e que um decreto com as regras regulamentadoras seria emitido.

 O decreto 10.278/2020 foi assinado dia 18 de março deste ano, detalhando todos os requisitos técnicos necessários para transformar documentos físicos em digitais e garantir que tenham a mesma validade jurídica, possibilitando o descarte do papel.

Ufa, parecia que não iria acabar essa novela, não é mesmo? Mas essa foi a última legislação aprovada. Agora vamos entender melhor seus requisitos, mas antes alguns conceitos importantes:

Diferença entre documentos digitais e eletrônicos

Segundo o Conarq, todo documento digital é eletrônico, mas nem todo documento eletrônico é digital.  Vamos ver a diferença.

Documento digital: 

 O documento digital é uma representação de um documento físico e, com o decreto 10.278, esta versão é tão válida quanto o papel, desde que seja a cópia fiel do original e siga as regras estabelecidas, falaremos delas mais adiante.

Documento eletrônico:

O documento eletrônico, segundo a Conarq, é acessível e interpretável por meio de um equipamento eletrônico (ex: filmadora, computador).

Interessante ressaltar que o documento eletrônico nasce no meio eletrônico, sendo o caso de diversos tipos de certificados gerados nos portais de serviços públicos.

 Assim, o decreto 10.278 não se estende a documentos eletrônicos, que devem se basear na MP 2.200-2.

O decreto 10.278 também não abrange algumas outras categorias específicas de documentos, são eles: 

  • Documentos nato-digitais, que são documentos produzidos originalmente em formato digital;
  • Referentes às operações e transações realizadas no sistema financeiro nacional;
  • Em microfilme;
  • Audiovisuais; 
  • De identificação;
  • De porte obrigatório.

No entanto, a tendência é que no futuro até mesmo alguns desses documentos evoluam, como no caso da “CNH digital”, que é de porte obrigatório mas que já nasce digital, dispensando a comprovação da sua autenticidade. 

Agora com o decreto 10.278, digitalizei, posso jogar o papel fora?

Segundo o Art. 9º do decreto: Após o processo de digitalização realizado conforme este Decreto, o documento físico poderá ser descartado, ressalvado aquele que apresente conteúdo de valor histórico.

Para saber se um documento possui valor histórico é necessário observar o que diz sua área de atuação. Prontuários são históricos para área médica, por exemplo. Para eles existe uma regulamentação específica, assim também acontece com as portarias do MEC e de diversas outras áreas.

Por garantia, o aconselhável é que consulte o Conarq para saber como gerenciar corretamente seus documentos e se eles têm valor histórico ou não. 

Assim, não tendo valor histórico, a versão em papel do documento digitalizado pode ser descartada, mas para isso, é necessário garantir que a digitalização esteja seguindo os requisitos técnicos exigidos.

Quais são os requisitos técnicos?

Os requisitos técnicos estão previstos no art. 4º do decreto 10.278. Para transformar um documento físico em digital é necessário que os procedimentos e tecnologias utilizadas garantam:

I – a integridade e a confiabilidade do documento digitalizado;

O documento deve corresponder fielmente ao original e sua autenticidade deve ser comprovada de acordo com o que dizem os artigos 5°(digitalização que envolve entidades públicas) e 6° (digitalização entre particulares), daqui a pouco eu explico o que dizem esses artigos.

II – a rastreabilidade e a auditabilidade dos procedimentos empregados;

 O sistema utilizado deve fornecer informações fiéis a respeito do histórico de determinado documento: se não sofreu alteração, onde foi utilizado, quando, por que e por quem. Esse ítem é extremamente importante em situações jurídicas.


III – o emprego dos padrões técnicos de digitalização para garantir a qualidade da imagem, da legibilidade e do uso do documento digitalizado;

Isso significa que o sistema utilizado deve garantir a usabilidade do documento seguindo a escala de cores, resolução mínima e formato definido no anexo 1 do decreto, que você pode ver abaixo:

IV – a confidencialidade, quando aplicável; 

O sistema utilizado deve garantir que apenas as pessoas autorizadas tenham acesso ao documento, isso diz respeito aos perfis de usuário e níveis de acesso estabelecidos. 

V – a interoperabilidade entre sistemas informatizados.

É necessário que o documento possa transitar entre diferentes sistemas, se for necessário. Para isso, é importante que ele seja salvo em um formato aberto de fácil utilização entre sistemas (PDF). 

Requisitos na digitalização que envolva entidades públicas

Segundo o artigo 5º, para que o documento digital tenha a mesma validade legal do documento físico e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno ele deverá seguir os requisitos técnicos listados aqui em cima e ser assinado eletronicamente com o padrão ICP-Brasil.

 Requisitos na digitalização entre particulares

O Art. 6º diz que “Na hipótese de documento que envolva relações entre particulares, qualquer meio de comprovação da autoria, da integridade e, se necessário, da confidencialidade de documentos digitalizados será válido, desde que escolhido de comum acordo pelas partes ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.”

Se nada for acordado antes da digitalização, aplica-se o disposto no art. 5º.

Sobre os metadados

O próprio decreto esclarece o que são metadados no art. 3°p. II, que diz que “metadados são dados estruturados que permitem classificar, descrever e gerenciar documentos.”

Para isso é estabelecido no anexo II os metadados mínimos exigidos para todos os documentos:

e os metadados exigidos  para documentos digitalizados por pessoas jurídicas de direito público interno:


Sobre manutenção e guarda dos documentos digitalizados

O Decreto 10278/2020 orienta sobre como deve ser arquivamento do documento digital: o sistema utilizado deve garantir a proteção do documento digitalizado contra alteração, destruição e, quando cabível, contra o acesso e a reprodução não autorizados.

Também deve garantir a fácil localização e o gerenciamento do documento e a  conferência do processo de digitalização adotado.

Por quanto tempo é necessário guardar os documentos?

Documentos digitalizados sem valor histórico devem ser preservados, no mínimo, até o período final da vigência. Os que possuem valor histórico devem ser preservados de acordo com a tabela de temporalidade da Conarq.

Assinatura digital tem validade jurídica?

Sim, com certeza. Tem tanta validade quanto uma assinatura de próprio punho. Como vimos no histórico de leis criadas para instituir a validade dos documentos eletrônicos, a assinatura digital foi regulamentada no art. 10 da MP 2200-2/2001 com a criação do padrão ICP-Brasil.

Com isso você pode garantir a validade de documentos eletrônicos ou digitais, sejam eles contratos, procurações, laudos, e-mails, certificados, formulários web e etc.

Quer digitalizar seu legado seguindo todos esses requisitos com segurança?

 Esses são os principais pontos do decreto 10278/2020. Eu espero que tenha ficado claro e que este conteúdo te ajude a dar mais este passo rumo à transformação digital do seu negócio.

Claro que essa mudança tende a ser gradativa, já que temos séculos de história em papel e muitas empresas possuem legados gigantescos. Por isso pense bem na escolha da ferramenta que irá te ajudar neste processo.

Eu indico o holmes, que tem todas as condições necessárias para atender os requisitos exigidos pelo decreto, além de oferecer o padrão ICP-Brasil para assinatura digital, ou a assinatura sem certificado (tipo rúbrica), integrada aos processos de negócios da sua empresa.

Com o holmes você também tem vários recursos para busca, armazenamento, gestão de documentos e pode contar com o histórico seguro de todas as alterações: quem usou, onde, por que e quando.

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É isso. Não esqueça também de verificar se existem regulamentações específicas para a sua área, como no caso da área hospitalar, escolar e financeira.

Ficou com dúvida ou quer deixar a sua opinião? Coloque aqui nos comentários. 🙂

Leia também: Gestão de documentos hospitalares: Tudo o que você precisa saber!

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